Neste domingo (7) é o Dia do Silêncio. A data foi criada para conscientizar as pessoas sobre os males que a poluição sonora causa, mas pode servir também para que reflitamos sobre os males que nossas palavras podem provocar. Já dizia aquele famoso provérbio árabe: “a palavra é prata, o silêncio é ouro”. É interessante notar que a distância, as crises, as doenças não separam amigos, mas uma palavra mal falada, uma fofoca, pode acabar com amizades de longa data. A Bíblia sabiamente nos adverte: “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos” (Pv 17:9).
O dia do silêncio nos convida à meditação e é aí que entra o vinho. Existem alguns tipos que são chamados “Vinhos de Meditação” porque dispensam acompanhamento gastronômico e por si só mostram seus aromas e sabores. Como o ato de meditar é individual, a degustação do vinho deve contribuir para o ato, propiciando um verdadeiro ritual, no qual se buscará extrair da bebida todo o aroma, todo o sabor, êxtase e mistério que estão guardados na garrafa. Deve-se apreciar o vinho em total silêncio ou com uma música de fundo, acomodado em uma confortável poltrona, numa sala com pouca luz, ou num banco de jardim, ou vendo o pôr do sol, ou, ainda, durante a madrugada, quando todos dormem e o silêncio reina.
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Tradicionalmente são chamados de meditação os vinhos fortificados, aqueles que durante a sua produção recebem a adição de certa quantidade de destilado (aguardente vínica) que interrompe a fermentação, deixando o vinho doce e com alto teor alcóolico, com até 22% de volume de álcool. Os mais famosos são os vinhos do Porto e Madeira (portugueses) e o espanhol Xerez ou Jerez.
Entretanto, outros vinhos, com bom corpo e final longo também poderão servir para a meditação, pois como escreveu Mario Quintana, “por mais raro que seja, ou mais antigo, só um vinho é deveras excelente: aquele que tu bebes calmante com o teu mais velho e silencioso amigo”.
Os vinhos de meditação devem ser sorvidos como ensinou Sócrates: “O vinho molha e tempera os espíritos e acalma as preocupações da mente… ele reaviva nossas alegrias e é o óleo para a chama da vida que se apaga. Se você bebe moderadamente em pequenos goles de cada vez, o vinho gotejará em seus pulmões como o mais doce orvalho da manhã… Assim, então, o vinho não viola a razão, mas sim nos convida gentilmente a uma agradável alegria”.
Abaixo apresento a resenha de quatro vinhos, os dois primeiros tradicionais de meditação, os dois últimos, escolhas pessoais:
Ferreira, Ruby
Vinho do Porto clássico, produzido pela mais antiga vinícola do Douro, fundada em 1751, apresenta sabor genuíno dos melhores vinhos produzidos na região a partir das castas Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Barroca, Tinta Cão e Tinta Rode, com 19,5% de volume de álcool, envelhecido em madeira. Na taça revela cor vermelha intensa e aromas de frutas maduras. Encorpado e rico, apresenta um bom equilíbrio entre doçura e estrutura de taninos, com final persistente e fino.
Hidalgo Jerez Fino
Produzido pela Bodega Emilio Hidalgo (Andaluzia, Espanha) existente desde o século 19. Fortificado seco, com 15% de volume de álcool, 100% de uva Palomino, apresenta cor amarelo pálido, intenso no aroma de nozes e com longo final de boca, é um vinho que deixará o degustador extasiado.
Viña Gravonia, Crianza, 2004
Já falei desse vinho aqui. É simplesmente o melhor branco que já tomei. Produzido na Rioja, Espanha, com a uva branca mais cultivada por lá, a Viura, é um vinho rico, complexo, potente, encorpado e ao mesmo tempo delicado, sutil, arrebatador. De cor amarelo dourado, com aromas de mel e flor de laranjeira, explode na boca, mostrando notas de melado, baunilha, amêndoas e frutas cítricas. É denso, untuoso, aveludado, quase licoroso, destacando a madeira, com boa acidez, final longo e persistente. Muito gastronômico, presta-se também a uma bela meditação.
Don Guerino, Reserva Teróldego, 2013
Um tinto brasileiro de muita personalidade. A uva teróldego não é muito conhecida, mas produz belos vinhos, como este, que apresenta cor vermelha escura, notas de chocolate e frutas vermelhas maduras. Na boca surpreende pela delicadeza e maciez dos taninos. Muito equilibrado, com bom corpo e final longo. Uma taça desse vinho, no silencio da noite, proporcionará uma bela meditação, podendo levar o meditabundo à iluminação.
Boa meditação, bons vinhos, saúde!