
Na noite do último dia 2, os brasileiros acompanharam estarrecidos o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ). Quase 20 milhões de itens passaram a ser apenas cinzas em poucas horas. Um dos maiores museus de história natural e antropologia da América Latina foi completamente destruído pelas chamas.
Já, durante a semana, a culpa do ocorrido foi jogada para o governo federal e para Universidade Federal do Rio de Janeiro, administradora do local – expondo a falta de investimentos na cultura em todo o país.
Realidade também compartilhada em Adamantina, que viu os investimentos públicos no setor reduzir drasticamente em seis anos.
Em entrevista ao IMPACTO, o ex-secretário de Cultura e atual vereador, Acácio Rocha, fala sobre a redução dos investimentos e os desafios culturais da cidade. “Infelizmente estamos vivenciando hoje uma ausência de efetividade nesse tema”, enfatiza.
O parlamentar pontua também sobre a falta de implementação das ações previstas no Plano Municipal de Cultura, alvo de questionamento ao Executivo municipal.
Confira a entrevista:
IMPACTO: No momento, devido ao incêndio no Museu Nacional, é discutido as políticas públicas voltadas à Cultura e preservação histórica. Adamantina tem, desde 2013 – quando começou a ser válido, o Plano Municipal de Cultural. Porém, não pouca coisa (quase nada) se efetivou passado cinco anos. Quais são os desafios de se implantar os objetivos/metas do Plano? Há engajamento do Poder Público em sua efetivação?
Acácio Rocha: É exatamente esse o cenário, de poucos avanços, a partir de 2013. E pior que isso é retroceder. Infelizmente estamos vivenciando hoje uma ausência de efetividade nesse tema. E não é uma área menos importante, em detrimento de outras prioridades. A oferta de iniciativas que promovam a cultura deve ser tratada com a mesma importância e relevância dadas às demais áreas. Porém, o que se vivencia, em Adamantina, não se dá de maneira isolada, já que o Estado de São Paulo e a União também recuaram. E o exemplo disso é a exclusão de Adamantina na programação do Circuito Cultural Paulista, que foi conquistado por nós, dentro de uma movimentação jamais vista na cidade, que se deu no período de 2005 a 2012, e nos fez referência regional. O público participou, se emocionou, e da mesma maneira que se acostumou com uma dinâmica bastante positiva, infelizmente também se acostumou com a falta dela.
:: Recentemente questionou o Executivo sobre a revisão do Plano Municipal de Cultura, previsto para ocorrer quatro anos depois de sua implantação. O que prevê o Plano Municipal de Cultura? Quais os objetivos de sua revisão? Quem deve participar deste processo?
O PMC (Plano Municipal de Cultura) foi o nosso maior legado, ao final de 2012. É uma diretrizes das politicas culturais para a cidade, prevendo as áreas, as ações e os recursos. A mobilização pelo PMC se deu pela efervescência vivida e pela necessidade de garantir a continuidade do ambiente cultural com o qual convivemos, sobretudo entre 2005 a 2012. A expectativa era de que a gestão que nos sucedeu se apropriasse do PMC e atuasse para o cumprimento de suas metas, que foram fixadas para a década de 2013 a 2022. Porém, houve uma decisão por uma política cultural – ou pela ausência dela – diferente daquilo que o Plano preconiza. Quase nada foi feito. Sequer sua revisão, que deve ocorrer após quatro anos. E em muitas aspectos, há evidente retrocesso. No que se refere à questão orçamentária, é triste vivenciar em 2018 um orçamento municipal de cultura inferior ao que movimentamos em 2012. Era para ser o contrário, sobretudo pelo fato de o PMC garantir percentuais, do orçamento gera do município, para a cultura. A revisão, por sua vez, garante a atualização da própria lei, a sua rediscussão e o realinhamento objetivo que permita reposicionar o tema, no âmbito das políticas públicas, e executar. Essa revisão foi cobrada por mim, na Câmara, e fique feliz com a imediata decisão do prefeito em determinar que se proceda sua revisão. Pretendo acompanhar, estar perto e contribuir esse processo.
:: Um dos objetivos do Plano Municipal de Cultura é “proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial”. O acervo histórico cultural de Adamantina está protegido? Porque é tão importante um engajamento neste sentido? O que precisa ser feito para sua efetivação?
Essa é uma das diretrizes do PMC e, em paralelo, há legislação específica que trata do patrimônio material e imaterial. E esse tema, em si, ainda é tratado com certo distanciamento, em razão da não contextualização sobre a importância da preservação da história e da memória, expressas em diversas formas, que hoje fazem parte do nosso presente e precisam ser garantidas para o futuro. Adamantina é uma cidade nova, se comparado com outras centenárias, mas o que temos hoje, da nossa história e da nossa memória, são para sempre. Há quem não considere relevante a história dos nossos 69 anos, por ser parte de uma história recente, mas se não houver preservação, isso se perde. E daqui a cinquenta, cem anos, ou mais, ou menos, esses referenciais, não preservados, farão falta. Porque tudo é relevante, importante, e precisa haver sensibilidade para atuar nisso. Respeitadas as proporções, o incêndio que destruiu a nossa antiga estação ferroviária, em 2000, foi tão trágico quanto o incêndio que destruiu o acervo do Museu Nacional nesta semana, no Rio de Janeiro. E temos outros espaços e acervos, na cidade, que precisam ser abordados no contexto das políticas públicas. O caminho é longo, mas é possível fazer, e mais possível ainda é começar a fazer.
:: Além da não implementação das ações do Plano Municipal de Cultura, vimos a redução dos recursos destinados a Cultura nos últimos anos em Adamantina e, até, a “extinção” da Secretaria de Cultura. Como avalia este posicionamento do Poder Executivo em relação ao setor, que no momento de crise é um dos primeiros a sofrer cortes de verbas?
Apesar de todo o esforço solitário por aqueles que se identificam com a cultura e da atual equipe, há pouca solidariedade governamental com esse tema, sempre no final da fila e com a menor fatia do bolo. Hoje, em 2018, essa área opera com um orçamento menor daquele executado em 2012, e era para ser o inverso. Precisa haver recurso financeiros e meios para financiar as ações, sob risco de não sair do lugar e, pior que isso, retroceder. A redução de investimentos em cultura se deu por aqui e também nas esferas estadual e federal. Reconhecidamente, perdeu-se espaço, estrutura, programas e, sobretudo, o público – o maior patrimônio –, que foi construído após continuadas doses de ações nas diversas linguagens e formatos, de difusão e formação cultural, e que se desfez. E a mesma plateia, por sua vez, também não reagiu a isso. E todos esses aspectos nos põem a pensar sobre a mediação entre direitos, deveres, necessidades e prioridades. Porém, a ausência de ações nesse campo deixou um vazio perigoso no indivíduo e na sociedade, que porventura poderão custar muito mais caro lá na frente.
:: Como avalia as ações culturais hoje disponibilizadas em Adamantina? A cidade tem potencial de fazer mais? Como mudar este cenário?
A cidade tem potencial sim. Sempre teve e já experimentamos muitas iniciativas positivas, nas artes, nos saberes e nos fazeres. E destaco dois pontos fundamentais para alcançar algum resultado: a vontade governamental/política, e a vontade da sociedade em vivenciar essas experimentações, seja para si e suas construções sociais e culturais, seja para oportunizar renda. Há todo esse campo a ser explorado e toda a nossa experiência recente mostrou que vale a pena, que há pessoas com capacidade, criatividade e disposição para construir um novo cenário de mais interações e oportunidades.