Uma discussão nacional, de pelo menos 10 anos, chegou à Adamantina com a intervenção do personagem deste enredo na Biblioteca Municipal.
Considerado um dos fundadores da moderna literatura infantil no Brasil, José Bento Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté (SP) e ganhou popularidade com obras para crianças, como ‘O Sítio do Pica-Pau Amarelo’. Mas, a questão racial em suas publicações motiva uma série de questionamentos até mesmo no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
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A caricatura de Monteiro Lobato foi reproduzida em uma das laterais da Biblioteca de Adamantina. Já nos primeiros traços foi iniciada, entre os grupos ligados a cultura, o debate sobre a pintura, que, conforme citado em nota divulgada pela Secretaria de Cultura e Turismo a imprensa, homenageia o artista destaque por “seu caráter nacionalista e social”. Inclusive, na data de aniversário do autor é comemorada o Dia Nacional do Livro Infantil – 18 de abril.
Meire Cunha, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Adamantina, ressalta a importância literária de Monteiro Lobato, já que proporcionou “um divisor de águas”. Por outro lado, ela não concorda com a distribuição dos livros como conteúdo didático. “Existem elementos racistas em suas histórias, mas não podemos deixar de ressaltar sua importância para literatura infantil. Existe um legado literário que não pode ser esquecido”, enfatiza.
A questão racial pontuada pela pesquisadora livre da cultura afro-brasileira desde 2005, é objetivo de discussão no STJ. Em 2010, o CNE (Conselho Nacional de Educação) determinou que os livros não fossem mais distribuídos às escolas públicas.
Para justificar a proibição, o Conselho destacou trechos da obra. Um deles diz: “É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém – nem Tia Anastácia, que tem carne preta”. Outro trecho da obra narra que “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”.
O caso chegou inicialmente ao STF (Supremo Tribunal Federal) em 2011 por meio de um mandado de segurança de autoria do Iara (Instituto de Advocacia Racial) e do técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto.
No pedido, o Iara afirma que o livro ‘Caçadas de Pedrinho’, publicado em 1933, só deve ser utilizada no contexto da educação escolar quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil. Eles ressaltam que o livro, mais uma das aventuras de Pedrinho no Sítio do Pica-Pau Amarelo, está repleto de “elementos racistas”, que, no Brasil atual, já não fazem mais parte do cotidiano ou vocabulário das pessoas.
A saída pedida pelo Iara era que o MEC (Ministério da Educação) incluísse “notas explicativas” nos livros fornecidos pelo programa Biblioteca na Escola, do Governo Federal. E que as obras só fossem apresentadas em sala de aula por professores preparados a explicar as nuances do racismo do Brasil da República Velha. Tal decisão também é defendida pela pesquisadora adamantinense.
“A literatura está ali, está para ser pesquisada. Naquele tempo não era absurdo tais citações, era permitido. O que não pode hoje eu usar essas frases, estamos em outro contexto. Não posso exigir de Monteiro Lobato o respeito que até hoje nós buscamos, que a gente ainda luta para alcançar. Também não podemos dizer que ele não era racista por ter colocado brancos e negros na mesma cena ou por ter escrito ‘Negrinha’, que denunciava graves maus-tratos contra a criança negra. Quando jogamos para debaixo do tapete, a escravidão e o racismo que o Brasil viveu e vive até hoje de forma estrutural, a gente perde na luta contra o preconceito e na busca de espaço na sociedade, pois, somos, os descendentes de africanos, mais de 50% da população brasileira”, contextualiza Meire.
A pesquisadora finaliza ressaltando que acredita que apenas a questão literária foi considerada na homenagem feita em Adamantina. “Como disse, não podemos deixar de ressaltar a importância do autor. Existe literatura infantil antes de Lobato e outra pós Lobato. Ele foi um divisor de águas”.
Questionado sobre a polêmica, o secretário de Cultura e Turismo de Adamantina, Sérgio Vanderlei, respondeu: “Se provocou a discussão de ideias, a obra (grafite) cumpriu com seu papel”.
Ainda, conforme Meire, “nem todo brasileiro sabe da polêmica ou conhece o racismo por trás das palavras de Monteiro Lobato”.
OBRAS DE MONTEIRO LOBATO
Entre as obras que fizeram a alegria de muitas gerações de crianças no Brasil, podemos destacar: Reinações de Narizinho (1921), O Saci (1921), O Marquês de Rabicó (1922), A Caçada da Onça (1924), Viagem ao Céu (1932), Novas Reinações de Narizinho (1933) e O Picapau Amarelo (1939). Muitas das histórias voltadas aos leitores infantojuvenis desenvolviam-se em um local imaginário, o Sítio do Picapau Amarelo, habitado pela irreverente boneca Emília, o sentencioso Visconde de Sabugosa, a bondosa e disciplinadora Dona Benta, o Marquês de Rabicó e muitos personagens do folclore e das lendas brasileiras.
Apesar de ser mundialmente reconhecido por suas obras voltadas ao público infantojuvenil, é possível destacarmos importantes obras direcionadas aos leitores adultos, como Cidades Mortas (1919), Negrinha (1920), A Onda Verde (1921), O Macaco que se fez Homem (1923), entre outras.
Colaborou: Brasil Escola e Conjur