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quarta-feira, 1 outubro, 2025

Envelhecer no Brasil: um direito ignorado

Confira o artigo assinado por Alessandro Jacinto, médico, geriatra, docente do curso de Medicina da FAI e idealizador do Projeto Grupo para Cuidadores e Familiares de Idosos Portadores de Demência

Alessandro Jacinto | Foto: Arquivo pessoal

O Brasil envelhece, mas parece não amadurecer. Em meio a discursos sobre inclusão e dignidade, o país ainda trata seus idosos como um fardo silencioso. A cada ano, milhões de brasileiros cruzam a fronteira dos 60 anos — e encontram do outro lado não o respeito, mas o abandono.

A adesão à Década do Envelhecimento Saudável da ONU foi celebrada como um marco. Mas, na prática, o que se vê é um Estado que falha em garantir o básico: segurança, saúde, mobilidade e afeto. A violência contra idosos cresce, os serviços públicos encolhem, e a sociedade se cala diante da exclusão cotidiana que essa população enfrenta.

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A violência contra idosos — física, psicológica, patrimonial — continua sendo uma chaga silenciosa. Em 2024, o Disque 100 registrou mais de 45 mil denúncias de violação de direitos da pessoa idosa. Muitos casos sequer chegam ao conhecimento das autoridades, seja por medo, dependência emocional ou falta de acesso à informação.

Além disso, o idoso brasileiro enfrenta exclusão em políticas públicas essenciais. Programas de combate à fome, à pobreza e à insegurança habitacional ainda priorizam faixas etárias mais jovens, ignorando que muitos idosos vivem em situação de vulnerabilidade extrema, especialmente nas periferias urbanas e zonas rurais.

O lançamento da Política Nacional de Cuidados em 2023 foi uma tentativa de corrigir esse rumo. A proposta é boa: reconhecer o cuidado como um direito, valorizar quem cuida e criar redes de apoio. Mas sem orçamento, sem capacitação e sem vontade política, ela corre o risco de virar mais uma peça decorativa no cenário da burocracia brasileira.

É preciso dizer com todas as letras: envelhecer no Brasil é um ato de resistência. Resistir à negligência, ao preconceito, à invisibilidade. Enquanto o país não entender que cuidar dos seus idosos é cuidar de si mesmo, continuaremos a empurrar milhões de vidas para os cantos escuros da sociedade.

O envelhecimento não é um problema — é uma conquista. Mas para que essa conquista seja celebrada com dignidade, o Brasil precisa mudar sua postura. Investir em saúde preventiva, moradia adaptada, mobilidade urbana acessível e combate ao etarismo não é apenas necessário: é urgente.

Não se trata de caridade. Trata-se de justiça. De reconhecer a conquista do envelhecimento merece ser celebrada com dignidade, não com descaso. Mais do que números, estamos falando de vidas. De histórias que merecem respeito, escuta e cuidado. O tempo corre, e o país precisa decidir: vai envelhecer com dignidade ou com indiferença?

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