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quarta-feira, 5 novembro, 2025

A neblina amarela e seus efeitos

Confira o conteúdo assinado pela psicóloga Ana Vitória Salimon-Santos

O mês de setembro terminou e, com ele, as ações referentes à Campanha Setembro Amarelo, pela qual, durante todo o mês, nos mais diversos espaços do Brasil, foram realizadas palestras, oficinas, decorações e outras atividades em nome da prevenção do suicídio, geralmente divulgando a importância de se falar sobre suicídio e de pedir ajuda.

Ocorreram ações de esclarecimentos sobre a importância de o suicídio deixar de ser um assunto tabu e das pessoas serem respeitadas e receberem a atenção que necessitam. Também aconteceram vendas de brindes amarelos, de palestras prontas, de kits com posts e cartazes, festividades amarelas com farta decoração, sendo que, em muitas ações, pouco ou nenhum cuidado concreto e/ou ético ocorreu em relação às pessoas diretamente afetadas por comportamento suicida ou perdas por suicídio.

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Será que “setembro amarelo” produz efeitos úteis para melhorar a saúde, os relacionamentos e as condições de vida das pessoas?

Em setembro, pessoas que vivem lutos por suicídio ou que estejam em condições difíceis são submetidas no mês inteiro ao assunto, provocando sentimentos, lembranças, mais sofrimento, e não se ampliam possibilidades de atenção às suas demandas. De modo geral, a ênfase da campanha recai sobre o indivíduo — e não sobre suas condições de vida.

Em muitas ações, colocam-se mais responsabilidades — e por vezes culpa — sobre a pessoa (“você é capaz”, “você é mais forte do que pensa”, “olhe por outro ângulo”), camuflando condições sociais de existência que delimitam possibilidades. Por vezes, afirma-se que os sinais “de risco” são visíveis, que a morte poderia ser previsível, prevenível, e nem sempre são. Informações equivocadas e divulgações com interesse mercadológico se misturam a interesses genuínos de promoção de saúde/vida digna, os quais, muitas vezes, também podem ser equivocados.

Conscientização e diminuição de estigma indubitavelmente são importantes, porém,  serão inúteis se não forem instituídas ações com resultados efetivos: plano nacional de prevenção do suicídio com destinação de recursos e apoio a estados e municípios, acesso às intervenções necessárias em saúde, acesso real e permanência em ensino de qualidade, emprego digno, melhores condições de trabalho para professores, policiais, servidores da saúde e todos em geral, respeito e dignidade aos povos originários, a todas as classes, raças, credos, gêneros e sexualidades, regulação do uso de agrotóxicos e de armas, segurança alimentar, seguridade social, segurança de moradia, entre outras tantas necessidades básicas que, quando não são garantidas, vão paulatinamente somando desgastes, adoecimentos e até a “responsabilização individualizada” às pessoas por “sua” condição.

Na atualidade especialistas debatem os impactos reais do “setembro amarelo”. Se, por um lado, realmente é necessário que possa se dialogar sobre suicídio e criar condições para que as pessoas queiram viver e não morrer; por outro lado, falar sobre o tema exaustivamente por um mês todo, além de provocar mais sofrimento, não tem demonstrado efetividade em diminuir as taxas de suicídio no Brasil: um estudo recente apresentou evidências que essas taxas aumentaram absurdamente nos últimos 10 anos — mesmo período da existência da campanha —, demonstrando que não apresenta efeitos na diminuição das perdas.

Ainda assim, preocupantemente, em 9 de setembro de 2025 foi aprovada a Lei 15.199 que institui oficialmente no Brasil a Campanha Setembro Amarelo, estabelece 10 de setembro como o Dia Nacional de Prevenção do Suicídio e 17 de setembro como o Dia Nacional de Prevenção da Automutilação.

Fica para reflexão: o setembro amarelo oferece mesmo uma resposta concreta às demandas apresentadas pela população brasileira em suas várias realidades?

Enquanto ficamos no meio da “neblina amarela”, o barco da indiferença política a tantas vidas perdidas e outras tantas afetadas segue. Como pessoas, cidadãos, profissionais, comunidade, sociedade temos nossas responsabilidades, mas continuaremos enxugando gelo se não formos além da conscientização da própria população, mesmo quando for de modo adequado.

ALGUNS SERVIÇOS

  • CVV – Ligue 188 ou acesse http://www.cvv.org.br/
  • Unidades Básicas de Saúde e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
  • Em Adamantina: Rede Promover Vida – Contato via Núcleo de Psicologia do Centro Universitário de Adamantina – [email protected]

GRUPOS DE APOIO A ENLUTADOS NO BRASIL (PRESENCIAL E/OU VIRTUAL)

Ana Vitória Salimon-Santos. Psicóloga – CRP-06 32.355. Doutora pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis).

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