Mark Twain uma vez escreveu que há duas ocasiões em que uma pessoa não deve jogar: quando não tiver posses e quando as tiver. Os mais toleráveis defendem sua legalização; os mais radicais, sua completa abolição: garantem que a única maneira de se jogar bem os dados é jogando-os fora e desinstalando apps. Escreveu também Wilson Mizner que jogos de azar são o modo mais certeiro de se conseguir nada de alguma coisa. E então, o que fazer?
Há quem aposte a vida inteira sem qualquer problema, mas há quem não passe um dia longe dos tigrinhos e bets da vida. Uns acreditam que os jogos estão ligados à criminalidade, outros não vêem relação alguma. O Brasil começou a apostar suas fichas nesse negócio aparentemente tão rentável com a regulamentação das bets de quota fixa – nos Estados Unidos, onde são legais em alguns estados, o faturamento gira em torno de 30 bilhões de dólares por ano.
Por aqui, até esse ano, o governo federal era quem detinha o monopólio dos jogos desde sua privatização, em 1960, através das casas lotéricas. Há quem diga que a loteria é só mais um imposto aos ruins de matemática, mas o fato é que as nove modalidades existentes de jogos ganharam juntas, no último ano, mais de 3,5 bilhões de reais. Então, por que algo que gera tanta renda era até então “proibido”? Então, o governo resolveu dar uma mordida nessas bets, além das casas lotéricas.
A popularização das bets, tigrinhos, aviõezinhos e inclusive a série brasileira “Os donos do jogo”, recém lançada na Netflix (e com 2ª temporada garantida), reacenderam ainda mais o debate em torno das questões sobre o assunto.
Aos olhos de algumas autoridades, o jogo vicia, exige uma estrutura de fiscalização de que o país não dispõe e atrai a bandidagem. Cassinos, bets e tigrinhos muitas vezes são associados à criminalidade, visto que há grande possibilidade das casas de jogos e bets serem utilizadas para lavagem de dinheiro e outras operações ilícitas. Quando uma irregularidade é comprovada, ela desaparece e outra surge no lugar, tornando impossível a recuperação dos impostos sonegados.
A proibição diminui as receitas e estimula o crime organizado a assumir o controle (e custos) de tais negócios. A forma mais eficaz de se desestimular uma atividade é a tributação elevada – alto imposto e controle rigoroso são melhores para o país do que a clandestinidade. Mas há a suspeita de que a maioria das bets e casas de jogos sonegam, operam com equipamentos contrabandeados e, na maior parte das vezes, a sorte do cliente é manipulada. E o Brasil tem as menores alíquotas de impostos de bets no mundo.
A inclusão oficial do vício em jogos no rol das patologias ocorreu quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou o jogo compulsivo no Código Internacional de Doenças, em 1992. Todavia, se não bebemos, fumamos, nem injetamos apostas, como podemos nos viciar no jogo? Cientistas da Universidade de Harvard fizeram uma pesquisa: deram cocaína a uma pessoa e uma plataforma de jogos a outra. Analisaram ambos os casos com ressonância magnética funcional e o resultado foi interessantíssimo: a cocaína e o tigrinho ativavam as mesmas estruturas cerebrais.
Os detalhes também são fatores decisivos – o barulho das moedinhas caindo, por exemplo. Alguém já ouviu o barulho de notas cair? O rolar das imagens super coloridas que não deixam ninguém piscar! Os apostadores já mandam o dinheiro na conta via pix, o que aumenta a sensação de ganho e, conseqüentemente, a vontade de jogar. Nas bets online, o cliente goza de tamanho conforto que às vezes chega a comer e beber de graça – afinal de contas, estou na minha casa, e perco até a noção do tempo! Em suma, tudo é preparado para seduzir.
Afinal de contas, vale a pena legalizar, mesmo que seja em quotas fixas? A legalização das bets e jogos de azar trouxe muito lucro para alguns países. O dinheiro que antes abarrotava o bolso dos criminosos agora enche os cofres públicos. Mas o governo se tornou um jogador extremamente ambicioso na exploração de uma atividade que claramente causa problemas sociais. Mesmo as bets e jogos de azar gerando renda, o Estado não pode se tornar um jogador compulsivo – tem que impor limites. À primeira vista, as bets são uma mina de ouro, como mostram muitos influencers por todo o Brasil.
Dá para perceber que a discussão ao redor das bets e tigrinho envolve muito mais que questões morais e valores de cada pessoa. Mas, antes de qualquer medida, continuamos escutando os rugidos, o tilintar das moedinhas e vendo os aviõezinhos voarem. E é indispensável considerar todos os fatores sociais, legais, médicos e econômicos desse grande bloco de debates. Qualquer que seja a decisão, ela poderá mudar o destino de milhões de pessoas e de bilhões de reais.
Pode apostar.









