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segunda-feira, 24 novembro, 2025

Sobre os Trilhos: entre o ferro e a memória

As origens físicas de nossas antigas ferrovias, por Vitor Rafael Borges Filgueira

Se você é do interior paulista, mais precisamente da Nova Alta Paulista, certamente já se deparou, em algum ponto da cidade, com a linha férrea. Ela está lá, silenciosa, cortando ruas, quintais e memórias. Todos conhecem um pouco dessa história: a chegada da CAIC, a venda das terras nos anos 30, o avanço da colonização na década de 40, as emancipações nos anos 50… Mas há uma pergunta que raramente fazemos: de onde veio o trilho em si?

Com essa curiosidade em mente, realizei um registro fotográfico nas estações de Flórida, Adamantina e Lucélia. À primeira vista, os trilhos parecem iguais, enferrujados, gastos, quase invisíveis no cotidiano. Mas, ao olhar mais de perto, algo chama atenção: as inscrições gravadas no ferro. São nomes, siglas e anos de marcas deixadas pelas siderúrgicas e que contam uma história muito maior do que se imagina.

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E foi assim que descobri que nossos trilhos não nasceram aqui.

Entre as inscrições ainda legíveis, aparecem nomes vindos de longe: dos Estados Unidos, trilhos da Sparrows Point Steel (1946), da tradicional Carnegie Steel (1937) e da Lorain Steel. Da Bélgica, o nome Cockerill (1907) ainda resiste. Do País de Gales, um exemplar da Blaenavon Steel (1880) continua nítido. Há também uma peça com a marca alemã “BV & C°L (1874)” cuja origem exata permanece um pequeno mistério.

Curiosamente, quando as ferrovias de Lucélia e Adamantina começaram a ser assentadas, a primeira em 1941, a segunda em 1950, grande parte desses trilhos já era antiga, alguns com mais de sessenta anos de uso. Ou seja, o desenvolvimento da região correu sobre ferros que já haviam sustentado outras rotas, em outros continentes.

Mais do que simples sucata reaproveitada, talvez uma história esquecida. Ela permanece ali, intocável, silenciosa, como se guardasse segredos que ninguém mais se dispõe a ouvir. E então surge a pergunta: quantas pessoas esses trilhos trouxeram até aqui? Quantos rostos comuns, quantos trabalhadores, migrantes, comerciantes, políticos ou artistas cruzaram essas linhas em direção às cidades que hoje formam a Nova Alta Paulista?

Mesmo abandonada, a ferrovia ainda carrega um peso simbólico o peso daquilo que uniu, moveu e transformou. Esse peso poderia ter um nome: o embrião de uma identidade regional. Uma identidade que talvez ainda não esteja plenamente reconhecida, mas que pulsa sob o ferro enferrujado, nas lembranças de quem chegou, construiu e ficou.

Os trilhos, portanto, não são apenas vestígios de um tempo passado. São testemunhos materiais e afetivos de uma história em formação, a história de uma região jovem, erguida sobre a promessa do progresso, e que ainda busca se reconhecer nas marcas de ferro que cortam o seu chão.

Marcos da memória coletiva, rastros metálicos de uma época em que o som dos trens marcava o ritmo da vida e o futuro parecia correr sobre o ferro.

Instagram: @nativoblv

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