No Brasil, a palavra cota costuma chegar à conversa como se fosse uma visita recente, dessas que ainda não sabemos onde colocar para se sentar à mesa. Mas a verdade é menos dramática e mais antiga: cotas sempre foram parte do nosso arranjo social. O que mudou foi quem passou a ser incluído nelas.
Quando a Coroa portuguesa instituiu as Capitanias Hereditárias, o território não foi distribuído por mérito, concurso ou sorteio. Foi repartido por privilégio. Poucos receberam muito, muitos não receberam nada. Era uma cota de poder, de terra e de futuro, reservada a quem já estava próximo do trono. Não havia escândalo moral ali; havia “normalidade institucional.”
Séculos depois, com o fim da escravidão, o país decidiu novamente operar cotas, só que com outro público-alvo. Europeus pobres foram trazidos ao Brasil , num periodo danificado pela guerra, com passagem paga, promessa de terra e agua, o que muitos receberam, salário e proteção do Estado. Enquanto isso, a população negra recém-liberta recebeu algo mais abstrato: liberdade sem chão, sem escola e sem crédito. Era uma política pública seletiva, pensada para “branquear” o país e reorganizar o mercado de trabalho. Outra cota. Outro silêncio confortável.
Nada disso foi chamado de injustiça reversa. Porque, naquele momento, o privilégio tinha aparência de progresso.
Hoje, quando falamos das cotas raciais nas universidades e no serviço público, o desconforto aparece. Não porque o mecanismo seja novo, mas porque o beneficiário mudou. As políticas consolidadas a partir da Lei de Cotas não criam privilégios inéditos; elas tensionam privilégios antigos. Funcionam como um ajuste tardio de contas.
Ao contrário do que se repete em mesas de bar e caixas de comentário, cotas não eliminam o vestibular nem substituem mérito do estudos dedicado. Elas reorganizam a disputa.
Nas universidades públicas federais, o acesso se dá majoritariamente por meio do ENEM, usando o Sisu.
Dentro desse sistema, as vagas são divididas. Uma parte é destinada à ampla concorrência. Outra parte é reservada a estudantes que cursaram o ensino em escola pública. Dentro desse grupo, há subdivisões por renda familiar e por critérios raciais, e portadores de deficiência.
Isso significa que um estudante cotista não “toma” a vaga de alguém da ampla concorrência. Ele disputa apenas com quem está na mesma categoria, e teve oportunidades e vida semelhantes a dele. A nota continua sendo critério central. A diferença é que a corrida acontece entre pessoas que largaram de pontos minimamente comparáveis.
Nas universidades privadas, o mecanismo é outro, mas a lógica é parecida. Programas como o ProUni oferecem bolsas integrais ou parciais para estudantes de baixa renda, e a política de cotas raciais também se aplica. Já o FIES amplia o acesso ao financiamento, ainda que não seja uma política racial direta.
Em todos os casos, não se trata de abrir a porta sem chave, mas de reconhecer que alguns chegaram até ali atravessando lama, enquanto outros vieram por calçamento.
As cotas não são universais nem automáticas. Elas exigem critérios claros e comprovação.
Podem reivindicar cotas raciais pessoas que se autodeclaram pretas, pardas, indígenas, conforme os critérios do IBGE, desde que atendam também às exigências de escolaridade em escola pública e, em alguns casos, de renda. Em muitas instituições, há comissões de heteroidentificação, criadas justamente para coibir fraudes e garantir que a política alcance quem de fato sofre os efeitos do racismo estrutural.
Não basta querer. É preciso pertencer ao grupo social que historicamente ficou fora do grande salão de festas do desenvolvimento de um projeto de pais chamado Brasil.
E aqui cabe a analogiac reflexiva, cotas raciais são com o pagamento de ações trabalhistas?
Quando um trabalhador busca na Justiça seu direitos laborais, e recebe valores indenizatorios, ninguém diz que ele ficou “rico às custas da empresa”. Ele apenas recebeu aquilo que lhe foi sistematicamente negado. O pagamento não é prêmio, é correção. Não cria vantagem injusta; reduz uma desvantagem acumulada.
As cotas raciais operam na mesma lógica. Elas não promovem igualdade plena, apenas diminuem o abismo produzido por séculos de exclusão legalizada, cultural, social e econômica. Funcionam como juros morais de uma dívida antiga e colossal que o país sempre adiou pagar. A escravização e um debito colossal, o racismo aplicado as estruturas basicas do pais no pós escravização criou danos praticamente irreversiveis a saude do pais de uma forma geral. O desenvolvimeto de um pais passa pela estrutura de sua polis, e o Brasil é constiruido em sua maioria por pretos e pardos, ou seja, a gama de pessoas historicamente cerciadas do acesso a saude, segurança e educação. Como um pais, do tamanho de um continente podera sair da lista do terceiro mundo e alcançará a incrivel marca de primeiro mundo de mais da metade de seu povo não acessa direitos basicos?
Talvez o incômodo venha daí. A dívida, quando finalmente cobrada, revela quem se beneficiou do atraso.
Quero parabenizar os vestibulando que ja estão aprovados em seus vestibulares, e desejar uma boa prova aqueles que ainda estão em meio ao processo.
e a você Caro leitor, convido a reflexão, você está entre os descendentes daqueles que jamais receberam nada, nem direiros basicos? Ou sua descendencia chegou nessa terra além Mar atraves das COTAS de branqueamento da nação? ou assina a descendencia dos cotistas das capitanias? num pais de Cotas, qual COTA lhe contempla?
Bom domingo, boa leitura e excelente reflexão!









