Há sempre um instante, no final do mês de dezembro, em que o mundo parece pausar. Não é silêncio, é suspensão. É como se o calendário respirasse fundo antes de virar a página. E, nesse momento, cada um de nós também respira junto, tentando entender o que fazer com o que passou e o que esperar do que vem aí pela frente.
É nessa fresta entre um ano e outro que a música “Novo Tempo”, de Ivan Lins, ganha um brilho diferente. Não é apenas uma música de festa ou de esperança decorativa; é quase uma conversa íntima sobre o que significa seguir adiante, mesmo quando a vida insiste em testar o nosso fôlego.
Logo de início, ao dizer “Apesar dos castigos”, ela parece falar com cada pessoa que, neste ano, teve que aprender na marra: caiu, levantou, remendou a coragem e continuou andando. A melodia, suave, mas firme, lembra o movimento de quem apanha do mundo, mas não perde a postura. Somos “mais vivos”, como a letra diz, não porque tudo deu certo, mas porque sobrevivemos ao que deu errado.
E que ironia bonita existe no refrão repetido: “Pra nos socorrer”. Não é um pedido ao céu, nem ao acaso (sem entrar no mérito religioso ou de crença), mas é quase um lembrete de que, no fundo, é a gente que se salva. Somos socorro uns dos outros, às vezes com uma palavra, às vezes só com presença. O final do ano traz isso: a sensação de caminhada compartilhada.
Em contrapartida, a música fala sobre “a noite que assusta”, e lembramos das noites que cada um atravessou — noites escuras, longas e barulhentas — e que, ainda assim, ficaram para trás. Porque, do outro lado, havia alguma luta, e nós lutamos.
E quando Ivan Lins canta sobre a esperança que seja mais que vingança, abre uma janela, pois o final de ano costuma despertar uma vontade perigosa de ajustar contas, fechar ciclos com força e “fazer jus” ao que vivemos. Entretanto, a música convida ao contrário: deixar como herança um caminho, não uma ferida, tendo em vista que a esperança não é pagamento, é continuidade!
Talvez por isso a música soe tão verdadeira nesta época: em razão de falar sobre persistência, mas também sobre reconciliação. Sobre seguir “marcados pra sobreviver”, mas não endurecidos. Sobre sair para a rua, “quebrando as algemas”, mas sem perder a leveza. Porque, no final, mesmo depois de tanto, é possível imaginar a cena que o verso descreve com uma ternura quase infantil: “A gente se encontra, cantando na praça, fazendo pirraça.”
Afinal, resistir também pode ser brincar e abrir um sorriso teimoso quando o mundo insiste em fechar a cara.
Assim, o ano está acabando, e cada um carrega sua coleção secreta de castigos, perigos, pecados e enganos. No entanto, como diz a música, estamos em cena. Continuamos escrevendo, caminhando, errando e acertando. Continuamos vivos!
E talvez seja isso que o novo tempo realmente signifique: não uma promessa mágica que aparece no dia 1º, mas a nossa disposição silenciosa de seguir, apesar de tudo, deixando que a esperança seja mais estrada do que revanche, mais herança do que ruído.
Que este novo tempo — que já começou dentro de cada um — encontre um lugar bonito para morar. E que, se possível, nos encontre também na praça, cantando. Mesmo que seja baixinho. Mesmo que seja só para lembrar que seguimos aqui, sobrevivendo juntos — ou, melhor, vivendo juntos. Um novo tempo!
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