Nas últimas décadas, o Brasil tem assistido à consolidação de uma expansão punitiva que avança de forma silenciosa, mas profundamente eficaz. Ao mesmo tempo em que discursos oficiais evocam modernização institucional, o que se observa é o crescimento contínuo da presença do Direito Penal como instrumento privilegiado de intervenção social — muito além de sua função constitucional de última ratio.
Esse fenômeno não se resume à multiplicação de tipos penais ou ao aumento de penas, embora ambos sejam notórios e recorrentes. A expansão punitiva opera também em dimensões simbólicas, influenciando percepções sociais, expectativas políticas e imaginários coletivos. Trata-se de uma forma de gestão social que se legitima menos por evidências empíricas e mais por narrativas de medo, urgência e insegurança.
É nesse contexto que ganha centralidade o Direito Penal Simbólico: a produção legislativa que responde a clamores sociais imediatos com promessas de segurança que raramente se materializam. Cria-se uma legislação de apelo midiático, cujo impacto prático é limitado, mas cujo efeito simbólico — o de transmitir a ideia de que “algo está sendo feito” — é extremamente poderoso. A criação de novos tipos penais e o endurecimento de regras processuais passam a ser entendidos como demonstração de força estatal, ainda que não produzam redução real das taxas de criminalidade.
Atrelado a isso, emerge também o Direito Penal do Inimigo, teoria que, ainda que não formalizada na legislação brasileira, se manifesta em práticas que tratam determinados grupos como alvos preferenciais da vigilância, do controle e da punição. No imaginário social, constrói-se a figura do “inimigo”: o sujeito perigoso, irrecuperável, cuja mera existência justificaria a flexibilização de garantias fundamentais. Essa lógica refrata-se especialmente sobre corpos negros, pobres e periféricos, reforçando a seletividade estrutural já presente no sistema penal.
A mídia desempenha papel central nesse processo, amplificando episódios específicos e produzindo verdadeiros “pânicos morais”. A cada caso de grande repercussão, renova-se a pressão por respostas penais imediatas — respostas que, embora politicamente eficazes, raramente enfrentam as causas profundas dos conflitos sociais. Ao contrário, alimentam um ciclo de recrudescimento que afasta o sistema penal dos parâmetros constitucionais e o aproxima de uma política de contenção social.
Loïc Wacquant observa que, em contextos de desigualdade estrutural, o Estado tende a utilizar o cárcere como ferramenta de administração da marginalidade. No Brasil, essa dinâmica se intensifica: a prisão se torna espaço de depósito das contradições sociais, funcionando como política pública substitutiva de medidas efetivas de educação, assistência, moradia e saúde. A expansão punitiva, sob essa perspectiva, não é apenas jurídica; é também social e econômica, deslocando para o sistema penal demandas que deveriam ser respondidas por políticas sociais amplas e inclusivas.
Esse avanço silencioso produz efeitos profundos sobre subjetividades e práticas institucionais. A crença de que punir mais é sinônimo de proteger melhor gera um ambiente em que garantias processuais passam a ser vistas como entraves. A defesa de direitos fundamentais começa a soar como obstáculo à eficiência. Trata-se de um movimento perigoso: a erosão das garantias não ocorre de uma só vez, mas por meio de pequenas concessões, sempre justificadas pela exceção, pelo medo ou pelo “inimigo” do momento.
A expansão punitiva, portanto, não é apenas legislativa; é cultural e simbólica. Ela constrói narrativas que naturalizam a centralidade do castigo como resposta universal. Mas justiça não se confunde com vingança, e segurança pública não se alcança com o encarceramento em massa. O verdadeiro fortalecimento das instituições ocorre quando o Estado se compromete com políticas públicas baseadas em evidências, com a promoção da dignidade humana e com a manutenção firme das garantias que protegem todos os cidadãos — especialmente aqueles mais vulneráveis às engrenagens do sistema penal.
Diante desse cenário, o desafio contemporâneo é reafirmar a centralidade do Direito Penal mínimo, resgatando o papel subsidiário do sistema punitivo e impedindo que ele continue a ocupar espaços que pertencem às políticas sociais. Resistir à lógica de expansão é, hoje, menos um ato técnico e mais um compromisso ético com o projeto democrático de igualdade, justiça e proteção das liberdades.

NOTA DE RODAPÉ
Ciclo de recrudescimento: No direito penal, “recrudescimento” refere-se ao aumento da severidade das leis, das penas ou da repressão penal. O termo descreve uma tendência ou um ciclo no qual o sistema de justiça criminal se torna progressivamente mais punitivo.
FONTES DE PESQUISA
https://revistadadpu.dpu.def.br/article/view/697
https://www.galiciaeducacao.com.br/blog/expansao-punitiva-no-direito-penal-e-seus-impactos-sociais/







