Já ouvi que é melhor estar sempre ocupado para não encher a cabeça de minhocas; ouvi também o provérbio “de pensar morreu um burro”. Cabeça cheia de minhocas tinha a górgona Medusa, mas não foi de pensar; foi castigo por ter sido estuprada por um deus do Olimpo. Pensar demais e nada decidir de fato não leva a nada. Mas eu não tomo jeito. Estou sempre a praticar minhas conjecturas. Acho que não tem a ver com cartesiano “penso, logo existo”. Sou simplório: existo porque ocupo espaço, como, bebo, respiro, me emociono… e também penso. Numa dessas conjecturas imaginei o homem do pleistoceno. Nômade, caçador, coletor. Mas juntavam-se em grupos para defesa, procriação. Imagino que, embora grupal, não se faziam bem uma comunidade fraternal. Mas evoluímos. Chegamos ao chamado holoceno, período geológico que sucedeu ao pleistoceno. Na verdade, sua validade nem está ainda vencida. Iniciou-se aí por ocasião do nascimento do Raul Seixas. O homem se fez sedentário, agricultor, comunitário, moradias duradouras. Então o mais forte dos homens sentiu-se injustiçado. Produzia mais que os outros. Cercou uma extensão de terra para si. O primeiro proprietário rural. Outros fortes o imitaram. Os mais fracos reclamaram. Fizeram-se necessárias regras sociais. Os mais fortes se uniram e as pariram. Aos mais fracos a opressão, a miséria, a humilhação. Questão de justiça, meritocracia. A Terra deixou de ser dos homens para ser de alguns homens. Ainda bem que essas desigualdades se deram há dez mil anos atrás… Evoluímos.
Com o tempo o lado oriental se fez prodígio no aparecimento de pessoas sábias. Um ensinava a seu pupilo hesitante, em meio a um cenário de guerra, que deveria lutar, fazer o que tem de ser feito. Mas a guerra é metáfora. A luta verdadeira é a interior, contra os prazeres e vontades mundanas. Outro deixou a vida palaciana e tornou-se um pensador dos sofrimentos humanos. Fez-se iluminado. Nada escreveu nem fundou religião. Deixou um legado de sabedorias transmitidas. Seus seguidores, então, foram transmitindo esses ensinamentos, os registraram em forma escrita e fundaram uma religião. Outro escreveu sábias verdades em versos e desapareceu montado num búfalo. Seguidores decifraram os versos e fundaram uma religião. Que bom! Era seguir esses ensinamentos e só. O mundo seria maravilhoso, cheio de compaixão, amor e paz. Em paralelo, deste lado do mundo surgiram vários deuses. Apresentavam-se aos homens, mas eram imortais. O que mais faziam era ocupar-se em disputas entre si, ocasionar discórdias entre os homens, castigar mortais por lhes competirem em inteligência e beleza. Um pouco depois surgiram outros sábios. Falavam em praça pública e o que mais ensinavam é que se deve conhecer a si próprio. O principal deles foi obrigado a engolir as palavras misturadas com cicuta. Antes destes publicou-se um livro dito sagrado. O deus era único. Criou o primeiro casal daquele que seria o seu povo. Mas não sei o que deu errado nessa criação que acabou por expulsá-los de seu quintal. E duramente: “Doravante comerás o pão com o suor do teu rosto”. Estava dada a largada para a competitividade entre os homens. Implantou a dor do parto nas mulheres. Um deus duro, e como aqueles outros, vaidoso e castigador. E, por vaidade, fez acontecer o primeiro fratricídio conhecido entre seu povo. É o deus daquele povo até hoje. E esse povo também tem sua religião. Desse mesmo povo surgiu um sábio. Teve poucos seguidores enquanto viveu. Ensinou que se deve fazer morrer o homem velho e fazer nascer um novo homem. Ensinou amor fraterno. Que não se deve acumular sim repartir. Nada escreveu nem fundou religião. Seus seguidores o eternizaram como milagreiro e fundaram uma religião. Também foi sacrificado pelo seu próprio povo, tido como subversivo. Essa religião, através de um império, espalhou-se pelo Ocidente. Estranhamente adotam o mesmo deus da citada escritura sagrada. Depois disso um homem foi orar na montanha. Uma voz lhe disse: escreva tudo que vou lhe transmitir porque foi ditado por deus. Era um anjo mensageiro, o mesmo personagem mensageiro que aparecia já no citado livro sagrado. É que esse homem era descendente de uma dissidência daquele mesmo povo. Constrangido, o homem confessou: “não sei escrever” – “Então decore tudo”. E ele decorou e pregou a mensagem que após sua morte os seguidores transformaram num livro também dito sagrado com 604 páginas. Fundou uma religião e o deus único é aquele mesmo, mas com pronúncia modificada.
Três religiões com o mesmo deus, mas que nunca se entenderam. A primeira e a última vivem em guerra e ódio mútuo até os dias atuais.
É que ainda estamos no holoceno. Ou, talvez, é pela influência desses deuses que ainda estamos no holoceno.









