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Adamantina
quarta-feira, 24 dezembro, 2025

Pássaros cantores

Confira o conteúdo assinado pelo servidor público e escritor Nivaldo Martins do Nascimento (Londrina)

(A sina do assum preto, da águia de Zaratustra e da asa branca)

Não é de hoje que os homens se inspiram na leveza dos pássaros para expressar sentimentos. Enquanto alguns constroem em torno dessa inspiração belas metáforas para mostrar de forma lírica suas origens, outros usam do mesmo artifício para criticar erros da sociedade.

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Na canção Assum Preto, Luiz Gonzaga explora bem o tema. Ao cantar “Tudo em vorta é só beleza/ Sol de abril e a mata em frô”, o rei do baião fala da mudança que ocorre no sertão nordestino após as chuvas, quando a caatinga seca e retorcida é substituída por uma linda floresta, verde e florida.

Em seguida, a emoção muda: “Mas assum preto, cego dos óio/ Não vendo a luz, aí, canta de dor.” Ao falar do sofrimento do pássaro, Gonzaga lembra que nem sempre se canta de alegria. Às vezes, o canto é uma maneira de superar a tristeza. E prossegue: “Tarvez por ignorança/ ou mardade das pió/ furaro os óio do assum preto/ pra ele assim, aí, cantá mió.”

A melhor metáfora, contudo, vem a seguir: “Assum preto véve sorto/ mas num pode avoar/ mil vezes a sina de uma gaiola/ desde que o céu, aí, pudesse oiá.” O pássaro é livre, mas não voa, fato que nos leva à seguinte reflexão: De que adianta um homem ser livre, se não pode ser autêntico? Enfim, voar é o símbolo da liberdade.

Vamos agora ao que Nietzsche escreveu sobre o mesmo assunto. Assim se expressou o filósofo alemão: “Os partidários de um homem importante costumam se cegar para melhor cantar os seus louvores.” Ou seja, tal qual o assum preto, muitas pessoas públicas fingem não enxergar os erros do governo que bajulam, para cantar melhor os méritos do chefe e assim serem por ele estimados.

Mas esse cantar é um pouco mais complicado que o da pobre ave do sertão, pois se trata de um canto ambicioso visando ser indicado candidato ao cargo de prefeito no futuro, ou pelo menos ser aceito como vice de alguém poderoso, como muitos sonham. Esses pobres “passarinhos” não imaginam que a cegueira por conveniência tende a não dar certo e que, inclusive, pode acrescentar mais danos às suas já degradadas biografias políticas.

Quando isso acontecer, aos “aduladores” vão restar apenas duas alternativas: imitar a águia de Zaratustra e se enfiar numa caverna, ou seguir o errante destino da Asa Branca, uma vez que, a exemplo do sertão, também na política as coisas mudam radicalmente de uma hora para outra. A propósito, tal qual homens que cegam passarinho por deleite, o forte de muita gente poderosa da cidade não é o sentimento.

Nota do autor. Este texto, escrito em 2009, faz parte do livro Ensaios sobre a política adamantinense, de minha autoria. Só o republiquei porque a mensagem contida nele continua atualíssima. E, também, porque é nessa época do ano que alguns dos protagonistas costumam distribuir espumantes e trufas de chocolate aos inocentes eleitores que ainda acreditam nas promessas que nunca serão cumpridas. Espero que desta vez ninguém seja obrigado a se explicar porque curtiu ou comentou em um artigo deste humilde articulista. Boas festas, caro/a leitor/a! Feliz 2026!  

 

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