Mais do que ser responsável por atividades relacionadas à construção e elaboração de projetos para diversos tipos de edificações, um Engenheiro Civil tem em sua essência a transformação da vida das pessoas. E essa motivação sempre guiou o adamantinense Cid Santos Júnior.
“O poder de ajudar a transformar a vida de diversas pessoas através de obras de infraestrutura, construindo uma relação saudável entre o meio ambiente e o urbano ao mesmo tempo que fomenta o progresso e desenvolvimento, sempre foi o que me inspirou. A complexidade de cada novo projeto e a solução de problemas por meio da Engenharia também são pontos muito importantes para minha satisfação profissional”, pontua.
Ele se formou em 2018, pela PUC-PR, em Curitiba, através do PROUNI com bolsa integral pela nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Atualmente morando em Cork, uma cidade de cerca de 125 mil habitantes na Irlanda (Europa), o Engenheiro Civil compartilha sua experiência profissional em outro continente, oportunidade conquistada a partir de muita dedicação, estudos e experiências.
Confira a entrevista:
REVISTA AEAANAP: O que te motivou a seguir carreira na área de engenharia? Sempre pensou se formar em Engenharia Civil?
CID SANTOS JR.: Acredito que, como para muitos engenheiros, uma das primeiras coisas que me direcionou para a Engenharia foi a afinidade com a área de exatas e ciências, de um modo geral. Desde pequeno tentava entender o mundo a minha volta de forma mais lógica, e conforme fui sendo exposto ao longo dos anos de formação básica às diversas matérias relacionadas a área de exatas e ciências, me encantava cada vez mais.
Meu contato com a Engenharia em si começou não com a Civil, mas, sim, com a Engenharia Agronômica, quando, após a conclusão do ensino médio, cursei um semestre de Agronomia na FAI em Adamantina.
Decidi me desafiar à explorar novas alternativas e, com o apoio de minha família, cursei um semestre de cursinho preparatório de pré-vestibular no Anglo, de Tupã. Foi durante o cursinho que efetivamente estudei mais sobre outras possibilidades relacionadas a Engenharia, entendi um pouco mais da função do Engenheiro Civil e decidi prosseguir nessa área.
REVISTA AEAANAP: Como surgiu a oportunidade de exercer esta profissão na Irlanda? Como foi este processo?
CID SANTOS JR.: Minha atuação na área de Engenharia Civil começou durante a graduação, quando iniciei estágio remunerado, primeiramente, na área de projetos hidráulicos e prevenção contra incêndios pelos primeiros seis meses de 2015, seguidos de três anos e meio de experiência na área de infraestrutura, ainda durante a graduação (dois anos como estagiário e um ano e meio como Técnico em Engenharia de Transportes).
Durante estes quatro anos de experiência enquanto graduando, tive a oportunidade de ser exposto a diversas áreas de projetos de infraestrutura de modo geral, majoritariamente relacionados à infraestrutura viária. Portanto, ao concluir a graduação, havia trabalhado com projetos de hidrologia, drenagem, pavimentação, sinalização, geometria e terraplenagem, o que me proporcionou atuar por um ano como Engenheiro Civil na Secretaria de Obras Públicas da Prefeitura de Araucária (PR).
Durante os cinco anos de experiência no Brasil, trabalhei em diversos projetos de duplicação e novas rodovias federais, estaduais e municipais em diversos estados do Brasil, além de projetos de empreendimentos privados, como loteamentos e infraestrutura portuária, o que me proporcionou adquirir não apenas vasto conhecimento técnico em infraestrutura, mas, também, relacionados aos diversos programas de modelagem 3D (como AutoCAD Civil 3D, Revit e Navisworks) e modelagem hidráulica (como HEC-RAS e Storm and Sanitary Analysis).
O conhecimento relacionado a estes programas me proporcionou ainda escrever uma apostila e atuar como instrutor de Civil 3D por um ano em um centro de treinamento autorizado Autodesk, em Curitiba (PR), em paralelo a minha função como Engenheiro Civil na SMOP de Araucária, em 2019.
A oportunidade de exercer a profissão de Engenheiro Civil, na Irlanda, se deu não apenas pela experiência em projetos de infraestrutura, mas, principalmente, devido ao conhecimento relacionado aos programas de modelagem 3D e hidráulica, o que é altamente requisitado no mercado Irlandês, na Europa de modo geral, e também em outros países como Austrália e Nova Zelândia.
Portanto, tudo isso associado ao nível de inglês avançado, proporcionou que estivesse preparado para prospectar uma vaga no exterior através da plataforma LinkedIn, onde, após diversas tentativas, consegui uma oportunidade de entrevista com um recrutador e, posteriormente, com a empresa de consultoria para quem trabalhei por um ano em Dublin, antes de me mudar para Cork e atual empresa pelos últimos dois anos e meio.
O processo de efetivamente poder exercer a função de Engenheiro Civil na Irlanda se dá primeiramente através de uma permissão de trabalho emitida pelo Governo Irlandês para pessoas com propostas de emprego, seguido da aplicação para o visto de residência associado à permissão de trabalho. Este processo é facilitado a partir do que é chamado de Critical Skills Work Permit, o que nada mais é do que a permissão e visto de trabalho para determinadas profissões em alta demanda no país e que fazem parte de uma lista criada pelo Governo Irlandês, as chamadas Critical Skills. Engenheiro Civil faz parte desta lista.
REVISTA AEAANAP: E quais são suas funções?
CID SANTOS JR.: Atualmente minha posição é de Engenheiro Civil Sênior (Senior Civil Engineer) em uma empresa global de consultoria. Sou parte do time chamado de Site Infrastructure (o que não tem necessariamente uma tradução direta para português).
Somos responsáveis por projetar adequada infraestrutura para um determinado empreendimento, na maior parte das vezes do setor privado e do ramo de tecnologia e indústrias em geral, trabalhando principalmente em projetos por toda Europa (visto que sou parte da divisão europeia da empresa por estar baseado em Cork), mas, também em outros lugares do mundo como Estados Unidos e Reino Unido.
Dentre os projetos que tenho trabalhado nos últimos anos, estão geralmente projetos de hiper e grande escala para data centres (tipicamente projetos confidenciais para empresas globais de tecnologia), plantas industriais em geral como para grandes farmacêuticas e outros variados tipos de fábricas, mas, também hospitais, campus poliesportivos, dentre outros tipos de empreendimentos.
Como Engenheiro Civil Sênior, sou responsável por projetar e coordenar tipicamente projetos geométrico, de pavimentação, sinalização e drenagem para rodovias e ruas associadas ao empreendimento, definição das cotas de projeto para os vários prédios, platôs, áreas de corte e aterro, entre outros, para todo o campus assim como as diversas disciplinas associadas a infraestrutura do empreendimento, como projeto de drenagem pluvial convencional e drenagem sustentável, drenagem industrial, esgoto, abastecimento e distribuição de água potável, água para uso industrial, água para uso de combate a incêndio, distribuição e reuso de água aquecida (chamados por aqui de ‘district heating’ e ‘waste heat recovery’), distribuição de energia elétrica como alta, média, baixa e extra baixa voltagem, infraestrutura para telecomunicações e fibra ótica, circuitos de segurança e para controle e automação – importante ressaltar que não sou responsável pelo dimensionamento elétrico em si, assim como de telecomunicações, fibra ótica etc., mas, sim, sou responsável por providenciar adequada infraestrutura para estes diversos serviços, como, por exemplo, apropriadas caixas de inspeção, dutos, proteção contra ingresso de finos e água, etc., assim como rotas coordenadas com as diversas outras disciplinas.
Também é valido dizer que meu escopo geralmente termina no piso do pavimento térreo dos diversos prédios, sendo então a distribuição dentro do prédio em si responsabilidade de outras disciplinas.
Todos os projetos que tenho trabalhado são desenvolvidos usando de metodologia BIM.
Atuo em todas as etapas do ciclo de vida do projeto, desde projeto conceitual, básico, para permissão, executivo, e também durante as diversas etapas de construção peformando inspeções in loco, aprovação de submissões técnicas e engajamento direto com as empreiteiras.
Também já trabalhei em diversos projetos de rodovias rurais e vias urbanas na Irlanda, não necessariamente associadas à um empreendimento industrial/comercial.
REVISTA AEAANAP: Quais as principais diferenças com o Brasil?
CID SANTOS JR.: Há diversas diferenças básicas que exigem adaptação, como, por exemplo, diferentes normativas, métodos de dimensionamento, materiais disponíveis no mercado, pacotes de software que podem variar, métodos construtivos, dentre outras. Felizmente, por se tratar de uma área de atuação altamente técnica e científica, a base teórica que se aplica aos conhecimentos de Engenharia, como, por exemplo, mecânica, cálculo, geometria e outras, é a mesma e acaba facilitando tal transição.
Além destas diferenças que naturalmente existem, e que dê certa forma podem até se manifestar mesmo dentre diferentes estados e municípios no Brasil, existem diferenças de abordagem à determinados temas que particularmente me atraem bastante, como com relação a drenagem pluvial sustentável e mudança climática.
Cada país na Europa trata deste tema de uma forma um pouco diferente, mas na Irlanda e Reino Unido os chamados Sistemas de Drenagem Sustentável (SuDS) se tornaram mandatórios e todo o conceito relacionado à implementação, projeto e objetivo destes determinados sistemas se alinham muito com valores pessoais que tenho, tendo um enfoque muito grande na preservação de biodiversidade e do meio ambiente como um todo, qualidade da água, integração sustentável da natureza com o meio urbano, mitigação de pontos de alagamento em grandes centros através da contenção do escoamento na fonte de origem, adição de valor social aos diversos elementos do projeto de drenagem, dentre outros fatores.
Um exemplo da função de tais sistemas pode ser observado na imagem abaixo, extraída do guia de projeto e avaliação de sistemas de drenagem sustentável para Dublin, produzido pelo Condado da Cidade de Dublin.
Tais abordagens com relação a drenagem sustentável variam pela Europa, de acordo com minha experiência – enquanto na Irlanda um projeto dificilmente é aprovado junto ao condado sem a implementação desse racional sustentável, um sistema de drenagem pluvial nos Países Baixos ou Alemanha terá que cumprir requerimentos diferentes, assim como na Dinamarca, Suécia ou Itália.
Esse é um assunto extremamente importante e que na minha opinião deveria ser abordado e adaptado para o contexto brasileiro. Da mesma forma referente a resiliência à mudança climática dos projetos – hoje na Irlanda e diversos países da Europa, se considera acréscimos na intensidade pluviométrica de no mínimo 20% quando dimensionando sistemas de drenagem, enquanto outros lugares como Escócia pode se chegar a 40%, isso para tentar mitigar o impacto da crise climática na infraestrutura.
REVISTA AEAANAP: Quais são suas dicas para quem deseja também seguir carreira no exterior?
CID SANTOS JR.: De acordo com minha vivência, dentre os principais fatores que me proporcionaram a oportunidade de começar minha carreira no exterior, estão a experiência e conhecimento em variadas disciplinas dentro da área de infraestrutura, com uma forte base de conhecimento em hidrologia e drenagem, associados ao conhecimento de programas associados a metodologia BIM – em infraestrutura principalmente AutoCAD Civil 3D.
O conhecimento avançado na língua também é essencial. Além disso, claro que a perseverança não pode faltar. No meu caso, foram diversas noites em claro aprimorando o currículo e resumo profissional, e aplicando para inúmeras vagas através do LinkedIn e outros sites de emprego como Indeed.
Recebi diversos ‘nãos’, mas, apenas um ‘sim’ foi o suficiente!