A capacidade de um país andar mais rápido depende da qualidade de seus líderes, perfis que abrem caminhos e desfazem obstáculos com sua condição de atrair, comover, inspirar, entusiasmar as plateias e mobilizar as massas. No passado, os rastros das grandes lideranças deixavam se ver nas trilhas abertas para libertar seus países da opressão e da miséria.
Eram tempos da política elevada ao altar da alta expressão. Atores políticos se revezavam na missão de debater, nas réplicas e tréplicas, argumentos e fundamentos sólidos do pensamento. O rebaixamento da qualidade na maneira de operar a política tem muito a ver com a crise da democracia representativa em todos os quadrantes. Nas últimas três décadas, o mundo foi arrastado por uma carga monumental de eventos, como a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a ruptura da URSS e extinção da Guerra Fria, cujos efeitos se fizeram sentir nos instrumentos da representação: arrefecimento das doutrinas; pasteurização dos partidos; perda de força dos Parlamentos e desengajamento das massas. Essa teia de situações contribuiu para a crise global de governabilidade.
Importantes mudanças passaram a balizar as frentes social e política. Uma nova consciência se instalou no meio de muitas sociedades. Partidos tradicionais, nascidos e desenvolvidos a partir de discursos assentados em eixos doutrinários – conservadores e liberais, de direita e esquerda – perderam substância com o declínio das ideologias e a extinção das clivagens partidárias, amparadas no antagonismo de classes. A expansão econômica e a diminuição do emprego no setor secundário em proveito do setor terciário estiolaram a força das estruturas de mobilização e negociação. Novos movimentos se formaram e os grupamentos corporativos cresceram na esteira de uma micro-política voltada para a defesa pragmática de setores, regiões e comunidades.
Nessa moldura, a democracia representativa passou a ser também exercida pelo universo de entidades intermediárias, com forte prejuízo para a instituição política tradicional. Não é à toa que os nomes de candidatos prevalecem sobre partidos.
Emergem, nesse cenário, lideranças menos carismáticas, mais técnicas, com preocupações estratégicas que se repartem em algumas esferas: a estabilização macroeconômica; os programas de desenvolvimento e os ajustes fiscais; as redes de proteção social e as políticas públicas de saúde, de educação e segurança. Nos últimos tempos, o combate à corrupção assumiu prioridade.
Nesse terreno não vicejam mais líderes carismáticos e populares. Por aqui, Lula é o último líder de massas de um ciclo que se esgota com a intensificação da crise política. Na verdade, Lula se apresenta como a última instância produzida por um processo de acumulação de forças, que, há três décadas, vem operando sobre a esfera social, juntando ações coletivas e públicas, demandas por direitos, e movimentos cívicos, canalizados com força a partir da Constituição de 88. A corrupção deslavada, que deixa a cara do país mais parecida com uma gigantesca delegacia de polícia, está levando de roldão atores políticos para o lamaçal. A era Lula está no fim.
Desaparecendo o formato carismático e populista, teremos de conviver com grupos de políticos treinados nas artimanhas da articulação e dos entreveros partidários. Os brasileiros começam a não enxergar mais aquela aura que envolvia seus ícones e heróis, o líder glorificado, admirado por todos. Não há mais quadros que mereçam a admiração e o engajamento entusiasmado. É assim que o Brasil vai enxertando em sua galeria lideranças sem massas. Ou massas sem líderes.
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