A Justiça de Osvaldo Cruz concedeu nesta quinta-feira (7) liminar requerida pelo Ministério Público Estadual (MPE) para que uma empresa, com sede em Salmourão, deixe de celebrar novos contratos de serviços funerários. Para a Promotoria de Defesa dos Direitos dos Consumidores de Adamantina, nos contratos há irregularidades, uma vez que estão condicionados à morte, que é certa, porém, a sua data é incerta. Ainda cita que a funerária capta poupança popular sem autorização do Ministério da Fazenda e fiscalização do Banco Central.
Conforme apurado pelo MPE, a empresa requerida comercializa contratos de adesão denominados de “Contrato de Prestação de Serviços do Plano de Assistência Familiar”, cujo objeto seriam a realização de prestações futuras, em data incerta, de fornecimento de serviços e produtos para funeral, mediante participação em grupo de consumidores, visando ao pagamento parcelado e rateado do custo do fornecimento, em favor de cada contratante ou de seus beneficiários.
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“Os contratos de adesão estão condicionados à ocorrência do evento morte do contratante ou de qualquer dos beneficiários por ele indicado. Tal acontecimento – morte – é de termo certo, posto ser o falecimento evento futuro e certo. Não obstante ser o evento morte futuro e certo, é incerto quanto à data de sua verificação”, argumenta o MPE na ação ajuizada na 1ª Vara Judicial do Fórum da Comarca de Osvaldo Cruz.
Segundo o Ministério Público Estadual, o contrato firmado entre o consumidor e a empresa terá sua eficácia sujeita à verificação de evento futuro e certo quanto à ocorrência, porém, incerto quanto à sua data.
Ainda de acordo com o MPE, os contratos têm prorrogação automática e sucessiva e adquirem natureza de prazo indeterminado.
Captação popular
Para a Promotoria, a ação trata-se de uma forma de captação de poupança popular, pois, através dos contratos, a empresa recebe parcela significativa de consumidores em dinheiro que representa a antecipação do preço.
“Embora alguns venham a falecer ou tenham um dependente morto logo no início, na formação do grupo, beneficiando-se assim da execução imediata dos bens do contrato e pagando a posteriori o preço, o restante dos integrantes do grupo receberá a prestação do contrato somente após o pagamento antecipado, total ou parcial, do preço”, cita a Promotoria.
Ainda conforme consta na ação civil pública, a venda a prazo de produtos ou serviços apenas se dá sem autorização ou controle das autoridades financeiras, quando não há formação de grupos para rateio de custos para entrega posterior dos bens.
Segundo o MPE, na execução dos contratos da empresa ocorre efetivamente o pagamento antecipado do preço (ainda que parcial) e de forma coletiva, em grupos, o que é suficiente para caracterizar uma forma de captação de poupança e constituir atividade dependente de autorização prévia do Ministério da Fazenda e fiscalização do Banco Central.
“A vinculação de cada contratante a um grupo determinado de consumidores para formação de um capital suficiente a viabilizar o cumprimento das prestações relativas ao funeral constitui de fato uma forma de captação de poupança popular por parte da empresa”, cita o MPE.
Na ação civil pública, a Promotoria ainda pede que, aos consumidores que não receberam os bens contratados, a Justiça condene a empresa a indenizar os prejuízos causados em razão do exercício da atividade ilícita, restituindo o total das prestações/mensalidades pagas, relativas ao contrato originário e prorrogações automáticas, devidamente atualizadas e com os acréscimos legais, sem prejuízo de indenizar eventuais perdas e danos, a serem demonstradas em sede de liquidação de sentença, a cargo de cada um dos consumidores prejudicados.
Já aos consumidores que receberam os bens ou serviços contratados, pede que a Justiça condene a empresa a restituir o total das importâncias pagas, relativas aos contratos originários e prorrogações contratuais, deduzidos os valores dos produtos entregues, devidamente corrigidas e com acréscimos legais, deduzido o valor dos bens ou serviços recebidos por eles, sem prejuízo de perdas e danos, a serem demonstradas em sede de liquidação de sentença, a cargo de cada um dos consumidores lesados.
Também pede a reversão ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados do valor a ser apurado em liquidação, correspondente às multas eventualmente fixadas com vistas ao cumprimento da ordem liminar.
Liminar
A juíza da 1ª Vara Judicial de Osvaldo Cruz, Mariana Sperb, deferiu, nesta quinta-feira (7), liminar para que a empresa pare de efetuar, a partir de sua intimação, quaisquer contratações de seus planos, enquanto perdurar o andamento da ação, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por contrato celebrado.
Também exige que a empresa apresente em juízo, no prazo de 90 dias, uma relação de todos os consumidores que celebraram os contratos, com qualificação e dados contratuais completos, especialmente valor pago e data da celebração, também sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia, depois do prazo concedido, no limite de R$ 50.000,00.
Argumentos
A juíza citou que a modalidade contratual praticada pela empresa situa-se em zona de sobreposição de várias espécies contratuais. Por um lado, a captação de poupança, na exata medida em que os contratantes realizam pagamento mensal, que traduz o pagamento antecipado do preço por serviços a serem prestados no futuro.
Por outro lado, o contrato prevê também a cobertura de um risco determinado (morte do beneficiário em dado intervalo de tempo), que ensejaria a cobertura do valor das despesas de funeral, aproximando-se, nesse aspecto, a contrato de modalidade securitária.
Por fim, na medida em que prevê o contrato a disponibilização de assistência, envolvendo a prestação de serviços de apoio ao convalescente, como a disponibilização de andadores, bengalas, cadeiras de rodas, bem como transporte não emergencial para consultas, além da disponibilização de sessões de fisioterapia – o contrato aproxima-se de verdadeiro plano de saúde.
Segundo a juíza, todas as modalidades contratuais exigiriam autorização especial para funcionamento, emitida pela autoridade competente, ou seja, se compreendida como sistema de poupança popular, a atividade careceria de regulamentação e controle pelo Banco Central do Brasil. Se observada como securitária, a atividade exigiria controle pelos órgãos do Sistema Nacional de Seguros Privados. Se considerada a proximidade dos termos da assistência familiar, objeto da contratação com os planos de saúde, a atividade deveria ser submetida às normas e fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Entretanto, segundo consta dos autos, a ré não possui qualquer destas autorizações, atuando por isso de forma aparentemente irregular no mercado. Eis, pois, a verossimilhança da tese jurídica invocada pelo diligente Órgão Ministerial. Igualmente, o risco ao consumidor é evidente, na medida em que a ré toma significativa quantia de dinheiro, sem que haja qualquer controle de sua solvabilidade pelos órgãos governamentais responsáveis, expondo assim toda a coletividade de contratantes ao risco de eventual insolvência”, finalizou a juíza em sua decisão.
Outro lado
Em nota, o advogado Paulo Peres, que atua na defesa da Flor de Lótus S/S Ltda., do município de Salmourão, informou que a empresa não foi intimada da decisão que concedeu a liminar na ação mencionada e, tão pouco, citada para responder aos termos da ação civil pública ajuizada pelo MPE.
“No entanto, entende-se que uma decisão liminar, pelo seu caráter provisório, eis que não há trânsito em julgado da questão posta sob judice, poderá ser revista a qualquer momento através do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal”, salientou.
“De qualquer forma, de acordo com suas informações, a liminar teria sido concedida por interpretação de legislação que, salvo melhor juízo, não mais deveria ter sido aplicada aos contratos de planos de assistência funerária, eis que recente Lei Federal, a de nº 13.261 de 22 de março de 2016, dispôs sobre a normatização, a fiscalização e a comercialização de planos de assistência funerária”, afirmou.
Além disso, o advogado também disse que: “Como a empresa ainda não foi intimada da liminar e citada para responder aos termos da ação, como já mencionado acima, não tem ainda conhecimento sobre qual fundamento se baseou a concessão da liminar da N. Justiça da Comarca de Osvaldo Cruz, São Paulo. Portanto, assim que a relação processual for formada, apresentará a defesa necessária à revogação da liminar, bem como, buscará através de todos os meios legais e processuais que lhe são lícitos e permitidos, o decreto de improcedência total da ação”.