A alimentação é um assunto delicado e uma queixa frequente dos pais com filhos com autismo, principalmente pela angústia dos riscos de deficiências nutricionais. Para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) essa dificuldade na alimentação é bem comum, pois recebem interferência direta de estímulos sensoriais.
As crianças com TEA podem apresentar comportamentos restritivos, seletivos e ritualísticos que afetam diretamente seus hábitos alimentares, resultando em desinteresse e recusa para alimentação.
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Este drama é vivido diariamente pela adamantinense Priscila Aparecida Machado, mãe da Maria Vitória Machado Marcelino, diagnosticada com autismo aos dois anos.
Com a pandemia do coronavírus, vários produtos faltaram nas prateleiras dos supermercados da cidade, e Priscila se viu aflita ao procurar o biscoito preferido da filha e não encontrar.
Além de Adamantina, Priscila recorreu aos estabelecimentos da região, e não encontrou o produto. Chegou a pedir para parentes de outras cidades para procurar o item. Desesperada, recorreu às redes sociais e em um grupo descreveu seu drama.
A história chegou à administração de um supermercado de rede de Adamantina, que se sensibilizou e recorreu a outras lojas do grupo em busca do biscoito da marca Piraquê – leite maltado/chocolate crocante.
Em outra loja do grupo o produto foi encontrado e diversos pacotes foram doados para Maria.
Priscila conta que a alegria da filha foi indescritível ao ver o biscoito. “Ao ver o biscoito, a Maria abriu um grande sorriso. Nunca me senti tão feliz. Depois que ela comeu, ficou mais calma e dormiu”, disse a mãe, emocionada.
MARIA VITÓRIA, AUTISTA
Aparentemente até os dois anos de vida, Maria Vitória – hoje com sete anos – era uma criança comum. A mãe da menina Priscila Machado, de 31 anos, conta que depois deste período percebeu que a filha não respondia a alguns estímulos. Nesta época, Maria ainda não tinha começado a falar, não olhava para as pessoas e parecia “fingir” não ouvir.
A tia de Priscila, funcionária de uma creche em Adamantina, contou a ela, que estava cuidando de uma criança diagnosticada com autismo, e percebeu que as atitudes de Maria e do menino eram semelhantes.
Foi neste momento que Priscila começou a procurar ajuda. “Começamos a nossa luta. Minha filha foi encaminhada para a Apae (Associação de Pais e Amigos Excepcionais) de Adamantina. Lá, passou por diversos profissionais, mas, fui informada que o laudo apontando ou não o autismo seria emitido quando ela completasse seis anos”.
A mãe conta que a experiência de ter que esperar mais quatro anos para ter certeza do diagnóstico era angustiante, e por conta própria resolveu buscar respostas para a sua dúvida.
“Levei a Maria para fazer eletrocardiograma, tomografia e ressonância magnética. Os exames não apontaram nada. Foi bom ter feito estes exames, porque tive a certeza que não havia nada associado neurologicamente”.
Priscila lembra que depois de conversar com outras mães na Apae, resolveu procurar uma pediatra neurologista, que, segundo ela, não tem em Adamantina. “A mais próxima é em Presidente Prudente ou Marília, e a consulta, mesmo paga, demora meses para agendar. Ficamos dois meses aguardando”.
Segundo a mãe, o diagnóstico foi imediato. “Na hora você se abate um pouco, pois é um mundo complexo, além do medo de não dar conta de cuidar de uma criança especial, aliás, todos almejam um filho perfeito”.
Após receber o laudo, Priscila foi buscar ajuda profissional. “Desde que descobrimos o autismo, a Maria é atendida por profissionais da Apae. Agradeço imensamente tudo o que a escola faz por minha filha. Na entidade ela tem o suporte necessário para desenvolver”.
A mãe conta que a sua vida mudou completamente após o diagnóstico. Funcionária de uma corretora de seguros, Priscila que também tem outro filho, com oito meses, precisou se desligar da empresa para cuidar da filha. “Minha vida mudou completamente. A responsabilidade de ser mãe já é grande e ter uma criança especial, é um pouco maior”, disse.
PRIMEIRO PASSO: ACEITAR
“O primeiro passo é aceitar que o autista é normal dentro do padrão de vida dele e, a partir disso, a gente vai conseguindo ajeitar o resto. A família também é a estrutura de tudo, pois o apoio deles faz com que nos tornemos mais fortes para seguir a caminhada”.
DIFICULDADES
Aos cinco anos, a menina autista foi matriculada em uma escola regular do município. Segundo a mãe, a experiência foi frustrante. “Ela precisava de uma auxiliar e a Prefeitura não disponibilizou, alegando que precisava de concurso. Eu fiquei o ano inteiro de cuidadora na escola e acompanhava a minha filha todas as tardes”.
A mãe conta emocionada que aguentou firme, já que no quesito social a experiência era boa. Na parte pedagógica não teve progresso. “Fomos bem recebidas na escola pela diretora e professores, mas, infelizmente a inclusão acontece apenas no papel. Na prática não existe”, contou a mãe.
“Não temos professores na rede de ensino pública para ministrar aulas para estas crianças e acaba se tornando uma exclusão”.
Desde ano passado a menina está matriculada na escola especial da Apae, de Adamantina.
MÃE DE AUTISTA
Priscila relata que as maiores dificuldades que tem como mãe de criança autista é trabalhar com o equilíbrio das emoções. “Cada autista é de um jeito, não tem nenhum igual ao outro. A Maria não é verbal, mas tem 100% de compreensão”, explica.
Para a mãe, outro ponto que preocupa são os atendimentos médicos, que na maioria é realizada fora de Adamantina.
Para o autista não existe tratamento com medicamentos específicos. É necessário adaptar os remédios de acordo com a necessidade de cada um. Por isto são feitos testes para a adaptar a medicação.
“A Maria não consegue dormir bem, não sente necessidade em dormir, e por isso precisa de medicamento. Além disso, toma medicação para os transtornos de humor, mas, quando entra em crise os remédios nem parecem fazer efeito, isso é muito dolorido. Na crise é como se ela tivesse sofrendo e eu não posso ajudar”.
A mãe conta que a filha fica nervosa, e com isso desenvolve uma força fora do comum. “Na maioria das vezes ela se auto agride”.
Para estes momentos, a mãe conta com o apoio da Apae, que orienta como proceder. “A protejo para não bater a cabeça e acabar se machucando gravemente”.
MEDO DE ENGRAVIDAR
Priscila conta que tinha medo de encarar outra gestação, mas, por outro lado, pensava na filha e queria que ela tivesse um irmão. “Não queria que estivesse sozinha na vida, mas tinha muito medo de engravidar pelo fato do trabalho que tenho”.
Na Apae, a mãe conta que os profissionais diziam que seria bom para o desenvolvimento da menina a companhia de um irmão. “Engravidei, hoje tenho o Pedro Lucas, de oito meses. Realmente foi muito bom para ela. Hoje ela fala o nome dele e mais algumas palavras, ela está bem mais desenvolvida, graças a Deus”.
PRECONCEITO
Priscila fala sobre preconceito e ressalta que ainda falta muita conscientização sobre o assunto. Segundo ela, as pessoas confundem crises com birras e discriminam os autistas.
CONSELHOS DE QUEM VIVEU
Por mais difícil que pareça o diagnóstico de um filho autista, Priscila orienta as mães que acabaram de descobrir a síndrome no filho.
“Por mais difícil que seja não é o fim do mundo. Existem pessoas e recursos para ajudar. Nunca esqueça que seu filho é normal dentro do padrão de vida dele, e que é capaz de aprender, apenas de um jeito diferente ou mais demorado, mas, ele é capaz, só precisa de incentivo de amor e que nunca desistam dele”.
“Minha Maria Vitória é um presente de Deus na minha vida e da minha família. Deus me capacita a cada amanhecer para dar o meu melhor por ela”.
Priscila diz as muitas mães de autista, principalmente as que receberam o diagnóstico recente. “Tento amenizar as dores, embora sabemos que o autismo não se sabe o motivo da sua existência, de onde vem, como vem e nem a cura. Quando eu tive o diagnóstico de Maria eu fiquei mau. Fui na Apae, sinceramente chorei a semana toda ao ver quantas mães passavam situações piores que as minhas e estavam lá, firmes”.
A mãe disse que pensou: “minha filha anda, se alimenta sozinha, é feliz”. Na Apae, Priscila diz que viu crianças que nunca poderão andar, falar, além de comer por meio de sondas, ela diz que isso a fez crescer.
“Eu não posso reclamar dos meus problemas. Eles são pequenos se comparado aos que vejo por lá”, finaliza a mãe.