A queima de fogos de artifício é uma tradição durante as festas. Seu colorido e barulho estrondoso animam as comemorações. Porém, a alegria que eles representam não é compartilhada por todos. Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, o TEA, são afetadas de forma muito negativa, por conta da hipersensibilidade de sua visão e audição.
O problema acontece, pois, pessoas com este transtorno apresentam uma hipersensibilidade sensorial aos estímulos do ambiente. O fator é, inclusive, um dos critérios levados em conta na hora de fechar o diagnóstico.
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Um latido de cachorro ou uma buzina de caminhão, por exemplo, podem ser suficientes para causar pânico. É como se eles escutassem todos os sons do ambiente de uma só vez sem focar a atenção em nenhum deles, provocando uma sobrecarga naquele sentido.
Todos estes fatores atingem diretamente a vida de João Fernando, jovem autista de 24 anos, morador de Osvaldo Cruz. Segundo a professora Branca Romanini, mãe do rapaz especial, desde muito pequeno seu filho teve sensibilidade ao barulho. Ela conta que sempre evitou levar o João em locais de barulho e aglomeração, porém não consegue protegê-lo do barulho dos fogos de artifício, já que, com a audição aguçada, o rapaz ouve o barulho dos fogos, mesmo de muito longe.
“Muitas vezes nós nem percebemos o barulho, mas ele rapidamente colocava os dedos nos ouvidos e começa a gritar. O João entra em pânico”, diz a mãe.
Uma alternativa encontrada por ela era colocá-lo no carro e procurar locais desertos, longe do barulho. Por isso, o rapaz entendeu que todas as vezes que entrava no carro, estava seguro.
Por conta dos fogos, João Fernando entrou em depressão, e associou o carro como porto seguro. Ele passou 11 dias dentro do veículo. A mãe conta que nem mesmo os remédios e terapia foi o suficiente para tirar João de dentro do veículo. Segundo ela, o jovem só conseguiu sair com a ajuda de profissionais, que o internaram em um hospital psiquiátrico.
“A orientação que recebemos dos médicos do hospital foi para que não o colocasse no carro por conta dos fogos. Os médicos pediram para mantê-lo dentro de casa”, conta.
Desesperada, todas as vezes que sabia que teria fogos, Branca levava o filho na Santa Casa. Lá, ele tomava medicamentos tranquilizantes, porém, mesmo assim, ele se agitava e as reações eram muito fortes.
“Ele se escondia em baixo da cama, gritava, entrava no chuveiro, porque a água acalma o autista, mas nada adiantava”, comenta a mãe.
PROJETO DE LEI
Segundo Branca, o vereador Luís Ricardo Spada Bonfim, o Bitinha, presenciou uma das crises do João. O parlamentar se interessou pela história do rapaz e, comovido, resolveu ajudar. Em parceria com o também vereador Lucas Canola Hirano, elaborou o projeto ‘Lei João Fernando’, nº 12/2020.
No dia 25 de junho, em sessão extraordinária na Câmara de Osvaldo Cruz, a proposta foi aprovada pela maioria dos parlamentares. Na tarde de quarta-feira, 1º de julho, o prefeito de Osvaldo Cruz Edmar Mazucato, sancionou a lei, e o município é o primeiro da região a aprovar lei que regulamenta soltura de fogos de artifício com barulho.
VITÓRIA
“Eu acreditava que o prefeito iria sancionar o projeto para se tornar lei. Há algum tempo o prefeito Edmar não solta fogos com barulho nas comemorações da cidade. Ele sabe dos problemas que as crianças especiais têm com este tipo de fogos. Meu filho representa todas as pessoas especiais, pessoas acamadas, idosos e os animais que também tem sensibilidade aos fogos. O João veio para representar toda esta população. Gostaria que agradecer a população de Osvaldo Cruz pelo carinho com o meu filho. Também faço um apelo para os prefeitos e vereadores das cidades da região para que sigam o exemplo de Osvaldo Cruz. É pela vida, pela saúde. Não é um capricho de mãe. O barulho é muito prejudicial, desestabiliza a criança”, conclui Branca Romanini.
Proposta similar foi rejeitada em Adamantina
Em março do ano passado, uma proposta similar de Osvaldo Cruz foi rejeitada pela Câmara de Adamantina. O Projeto de Lei Nº 56/18, de Acácio Rocha (DEM), previa regulamentação na soltura de fogos de artifício barulhentos em todo o Município, permitindo somente aqueles que provoquem ruídos abaixo dos 65 decibéis.
“A medida atende uma reivindicação de grande parte da comunidade local, que se manifesta, rotineiramente, contrária à adoção de fogos ruidosos em atividades isoladas ou cerimônias festivas públicas e/ou privadas, que causam prejuízos, transtornos e pânico a animais, e fragilizam ainda mais os idosos, acamados, deficientes e outros que estejam sob recuperação”, disse Acácio Rocha, na época de tramitação da proposta.