Escrevemos sobre as copas de 1930, 1934 e 1938 semana passada. A Copa do Catar se aproxima e o evento se configura como gigantesco. Se em 1930, na copa do Uruguai, tivemos 434 mil espectadores a de novembro próximo terá aproximadamente três bilhões e meio de telespectadores.
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Primeiro turno das eleições brasileiras já se foram prenunciando disputa acirrada para o segundo turno, mas contenda igualmente feroz se afigura no horizonte do mundo futebolístico. Escrevemos sobre a ambivalência das emoções provocadas pelo esporte bretão, a dualidade entre sermos os melhores com a bola nos pés e o complexo de Vira latas cunhado por Nélson Rodrigues. Esse complexo, por infortúnio, se agigantou com o desastre ocorrido em 1950, a Copa no Brasil.
A interrupção, dos torneios mundiais, na década de 1940, ocasionada pela Segunda Guerra, fez com que depois de um tempo para a reconstrução de muitos países europeus e, com o rodízio de continentes, o Brasil fosse escolhido como sede.
O país pediu mais dois anos (a Copa seria em 48) para finalizar estádios e cuidar da infraestrutura que, segundo muitos, deixou a desejar, mas é que o padrão Fifa, hoje um caderno de 400 páginas de exigência, na época só demandava estádios com capacidade mínima de 20 mil pessoas nas arquibancadas e cabines pra a imprensa.
Na política, Getúlio Vargas voltava, agora pelas mãos do povo (o pai dos pobres) que o reconduziu em eleições gerais com 48,7% dos votos. A marchinha “Ai Gegê, que saudades nós temos de você”, de João de Barros, ilustrava o momento. Vargas prometia lutar contra o imperialismo americano e defender o petróleo (o petróleo é nosso era o slogan de seu governo).
“Maracanaço“
Naquela Copa e no Brasil o jogo final é conhecido como Maracanaço, derivado de uma expressão latina (em espanhol: Maracanazo) usada pelos adversários para provocar os brasileiros.
O silêncio tomou conta do Maracanã às 16 horas e 50 minutos do dia 16 de julho de 50. O Brasil precisava apenas de um empate. Saiu ganhando e perdeu por 2 a 1. Desolados, os quase 200 mil torcedores demoraram mais de meia hora para deixar o estádio. O time brasileiro deu trinta chutes a gol (dezessete no primeiro tempo e treze no segundo) mas, diferentemente do que fez nos dois jogos anteriores, 6×1 contra a Espanha e 7×1 na Suécia, só conseguiu marcar um tento, com Friaça, ponta são-paulino que abriu o marcador no início do segundo tempo. Schiafino e Gigghia porém viraram o jogo para a celeste. E Jules Rimet quase não consegue entregar a taça ao capitão uruguaio Obdulio Varela pois as autoridades abandonaram o local da premiação.
O complexo aumentou. A seleção nunca mais usou o uniforme branco. Flavio Costa o técnico foi demitido, acusado de deixar os jogadores em pé, por duas horas, numa missa matinal no dia do jogo e, uma geração brilhante foi execrada, principalmente o goleiro Barbosa, condenado como culpado pela derrota, além de Ademir de Menezes, Zizinho, Bauer, Jair da Rosa Pinto craques fabulosos que na história foram os protagonistas do maior desastre do futebol brasileiro até os 7×1 da Alemanha em 2014.
A batalha e o milagre de Berna
Em 54 o presidente ainda era Getúlio Vargas que se suicidaria um mês depois do final da Copa que foi disputada na Suíça e foi a primeira em solo europeu depois da Segunda Guerra Mundial. A escolha da sede levou em conta justamente a neutralidade da Suíça durante o conflito. Apesar do sucesso do certame, pela primeira vez com 16 países e televisionamento, cabe uma crítica à fórmula da copa, bastante confusa.
Cada grupo tinha dois cabeças de chave que não se enfrentavam, assim como as duas equipes restantes. Tão confuso e, para o staff brasileiro, desconhecido, o regulamento propiciou um episódio insólito: Brasil e Iugoslávia venceram seus primeiros compromissos (Brasil 5 a 0 México e Iugoslávia 1 a 0 França) e o empate garantia ambos na fase seguinte.
Acontece que os jogadores do Brasil não conheciam o tal regulamento e atacavam insistentemente a meta iugoslava, com os jogadores eslavos fazendo gestos aos brasileiros pelo empate que beneficiaria os dois. Ao final do jogo alguns brasileiros choravam e apenas posteriormente a situação foi esclarecida. Tanto brasileiros como iugoslavos se classificaram à fase seguinte.
O temido pela delegação brasileira aconteceu em seguida. O sorteio das quartas de final oporia Brasil e a temida Hungria, campeã olímpica, invicta há anos e que havia goleado a futura campeã Alemanha na primeira fase por 8×3. Craques despontavam na então canarinha, o uniforme branco foi abolido pelo Maracanazo já sabemos, como Castilho, Pinheiro, Djalma Santos, Nilton Santos, Bauer, Julinho, mas a batalha de Berna foi vencida pelos húngaros (sem Puskas o maior do mundo na época e com um a menos por contusão) por 4×2. Batalha mesmo, com direito a pancadaria, garrafada e expulsões no final do jogo.
A decisão da Copa é conhecida como o milagre de Berna. Volta a Alemanha, agora com todos os seus titulares e vence por 3×2 depois de estar perdendo para os húngaros que marcaram 2×0 em 10 minutos.
A próxima Copa seria em 1958 na Suécia e é com muito gosto que falaremos dela. Afinal cantaríamos para espantar o complexo de vira latas:
“a taça do mundo é nossa… com brasileiro… não há quem possa….”
É, realmente, tudo tem história. E essa próxima será muito bonita.
*Eduardo Fonseca é jornalista, educador e advogado